quarta-feira, 3 de agosto de 2016

"Porque não sou comunista" por Bertrand Russell

Texto traduzido por André Assi Barreto


Bertrand Russell (1872-1970). 
Filósofo, lógico, matemático, historiador e crítico social.


Embora Russell, o filósofo e matemático inglês, tenha flertado com o comunismo em parte de sua vida, chegou à conclusão que todo adulto normal chega mais cedo ou mais tarde: o comunismo não é uma posição intelectual racional. Retirado daqui, traduzi este pequeno texto de Russell, onde ele aponta as razões pelas quais rejeitou o comunismo:

Por que não sou comunista?


“Fico completamente perdido ao tentar compreender como é possível que pessoas que são tanto humanas quanto inteligentes podem encontrar algo para admirar no vasto campo escravagista produzido por Stalin”

Com relação a qualquer doutrina política, existem duas questões a serem feitas: (1) seus princípios teóricos são verdadeiros? (2) Suas medidas práticas dão margem ao aumento da felicidade humana? Penso que as premissas teóricas do comunismo sejam falsas e que suas máximas práticas produzem um incomensurável aumento da infelicidade humana.

As doutrinas teóricas do marxismo são, em sua maioria, derivadas de Marx. Minhas objeções a Marx são de dois tipos: uma, que ele era um sujeito obscuro, outra, que seu pensamento foi quase que totalmente inspirado pelo ódio. A doutrina da mais-valia, que supostamente demonstra a exploração dos assalariados sob o capitalismo, origina-se de: (a) sub-repticiamente aceitar a teoria da população de Malthus, que Marx e seus discípulos sempre repudiaram; (b) aplicar a teoria de Ricardo do valor dos salários, mas não dos preços dos artigos manufaturados. Ele está inteiramente satisfeito com o resultado, não porque está de acordo com os fatos ou porque é logicamente coerente, mas porque é feito para despertar a fúria nos assalariados. A doutrina de Marx de que todos os eventos históricos foram motivados por conflitos de classe é superficial e inverídico, se limita a certos traços da Inglaterra e da França de 100 anos atrás. Sua crença de que existe uma força cósmica chamada Materialismo Dialético, que governa a história humana independentemente da volição dos homens, é mera mitologia. Seus erros teóricos, entretanto, não importariam tanto se não fosse verdade que seu desejo maior, tal como o de Tertuliano e Carlyle, era ver seus inimigos punidos, pouco se importando com o que aconteceria com seus amigos no processo. 

A doutrina de Marx já era ruim o suficiente, mas seu desenvolvimento sob a tutela de Lenin e Stalin fez dela algo ainda pior. Marx havia ensinado que haveria um período revolucionário transitório, seguido da vitória do proletariado em uma guerra civil e que durante esse período, o proletariado, de acordo com a prática comum após uma guerra civil, privaria seus inimigos de poder político. Este período é o da ditadura do proletariado. Não deve ser esquecido que na visão profética de Marx, a vitória do proletariado viria após ela ter crescido a ponto deste se tornar a vasta maioria da população. A ditadura do proletariado, logo, na concepção de Marx, não era essencialmente anti-democrática. Na Rússia de 1917, entretanto, o proletariado era uma porcentagem pequena da população, sendo que a maioria era formada por camponeses. Fora declarado que o partido Bolchevique era a classe pensante do proletariado e que um pequeno comitê dele era a classe pensante do partido Bolchevique. Assim, a ditadura do proletariado veio a ser a ditadura de um pequeno comitê, e em última instância, de um homem – Stálin. Como o único proletário pensante, Stálin condenou milhões de camponeses a morrerem de fome e outros milhões a trabalhos forçados em campos de concentração. Ele foi longo o suficiente que as leis da hereditariedade seriam diferentes daquilo que realmente são e que a ideia do germoplasma obedece aos decretos soviéticos e não ao padre reacionário chamado Mendel. Fico completamente perdido ao tentar compreender como é possível que pessoas que são tanto humanas quanto inteligentes podem encontrar algo para admirar no vasto campo escravagista produzido por Stalin.

Sempre discordei de Marx. Minha primeira crítica severa a ele foi publicada em 1896. Mas minhas objeções ao comunismo moderno vão além das minhas objeções a Marx. É o abandono da democracia que considero particularmente desastroso. Uma minoria que deposita seus poderes em atividades de uma polícia secreta está determinada a ser cruel, obscurantista e opressiva. Os perigos do poder irresponsável vieram a ser reconhecidos durante os séculos dezoito e dezenove, mas eles esqueceram tudo que fora dolorosamente aprendido durante os dias da monarquia absolutista e retornaram ao que havia de pior na Idade Média, sob a curiosa ilusão de que estavam na vanguarda do progresso.

Existem indícios que, com o decorrer do tempo, o regime russo se tornará mais liberal. Porém, embora isso seja possível, está longe de ser algo certo. Enquanto isso, todos aqueles que valorizam não apenas a arte e a ciência, mas uma quantidade suficiente de pão - além da liberdade do medo de que uma palavra sem importância seja dita por uma de suas crianças para um professor e isso possa condená-lo a trabalho forçado na Sibéria, estes devem fazer o que está em seu poder para preservar seus próprios países de tal forma de vida servil, buscando uma outra mais próspera.

Existem aqueles que, oprimidos pelos males do comunismo, são levados à conclusão que o único meio eficaz de combater esses males é por meio de uma guerra mundial. Penso que isso seja um erro. Em alguma época, isso pode ter sido possível, mas agora a guerra se tornou tão horrível e o comunismo tão poderoso que ninguém pode afirmar o que sobraria após uma guerra mundial, e o que quer que sobrasse provavelmente seria pior que o comunismo atual. Esta previsão não depende dos efeitos inevitáveis da destruição em massa por meio de bombas de hidrogênio e cobalto e, talvez, de pragas engenhosamente propagadas. A forma de se combater o comunismo não é a guerra. O que é preciso, além de tais armamentos, para deter os comunistas de atacar o Ocidente é uma diminuição dos motivos de descontentamento nas partes menos favorecidas do mundo não-comunista. Na maioria dos países da Ásia, há uma pobreza abjeta que o Ocidente deveria aliviar na medida em que está em seu poder fazer isso. Há também uma grande amargura com relação à Europa por parte desses países, devido à dominação insolente. Dever-se-ia lidar com isso por meio de uma combinação de relações pacientes e anúncios dramáticos, renunciando tais resquícios de dominação branca na Ásia. O comunismo é uma doutrina que se alimenta da pobreza, do ódio e dos conflitos. Sua propagação pode ser detida apenas por meio da diminuição dos níveis de pobreza e ódio.

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