terça-feira, 28 de novembro de 2017

O dia em que o pastor não estava e o mal invadiu sua igreja no Texas



SERGE F. KOVALESKI - DO "NEW YORK TIMES"

Em qualquer outro domingo, Frank Pomeroy, pastor da Primeira Igreja Batista de Sutherland Springs, Texas, estaria no púlpito. Ele teria visto o atirador invadir a igreja na metade do sermão, e teria reconhecido seu olhar férreo. Teria ouvido os tiros começando.

Mas Pomeroy estava a centenas de quilômetros de distância, e por isso, em sua primeira entrevista longa sobre o ataque a tiros ocorrido dentro de sua igreja, o pastor só pode imaginar o quanto a cena foi horrível. E ponderar se alguma coisa teria sido diferente se ele estivesse pregando naquele dia.

Mas Pomeroy estava assistindo a uma aula em Oklahoma City, na manhã de 5 de novembro. Um mensagem de texto de três palavras chegou ao seu celular: "Tiros na igreja", dizia a mensagem.

Ele imaginou que o remetente, o câmera da igreja, estivesse brincando ["shooting" pode significar tanto filmar quanto atirar, em inglês]. "Espero que seja brincadeira", respondeu Pomeroy. "Não", veio a resposta, segundos mais tarde.

Pomeroy tentou freneticamente ligar para membros da congregação que estavam participando do culto, mas ninguém atendeu. "Àquela altura, já era tarde demais", ele recorda. "Eram pessoas em quem ele já tinha atirado".

Ele finalmente se lembrou de um amigo que vive a 10 minutos de distância da igreja, e correu até lá para confirmar o inimaginável. Havia corpos espalhados por toda parte. Entre os mortos, Annabelle, 14, filha do pastor.

"Estou tentando seguir a Bíblia, que diz que você não deve permitir que o sol se ponha sobre sua ira, porque a ira só torna as coisas piores", disse Pomeroy.

Ele está tentado seguir o conselho que costuma dar aos fiéis em momentos de luto. Bem versus mal. O plano de Deus. A importância da fé. "Você deve buscar aquele lugar pacífico e orar, para aceitar o que aconteceu", ele disse.

Mas encontrar esse refúgio espiritual não vem sendo nada fácil.

LUTO E REAÇÃO

A carnificina que Devin Kelley perpetrou, no pior massacre a tiros da história do Texas, deixou 25 mortos, entre os quais uma mulher cujo feto foi considerado como a vítima fatal número 26, e 20 feridos.

O trauma afetou milhares de outras pessoas, e certamente todos os moradores da minúscula comunidade rural de Sutherland Springs.

Em meio ao pesar coletivo, Pomeroy, 51, se viu em uma situação incomum para um pastor. Embora presidir a funerais e confortar famílias em luto sejam atividades essenciais de sua vocação, é ele que precisa de consolo, agora.

"O que há de diferente aqui é que estamos nos confortando mutuamente", disse Pomeroy em entrevista via celular esta semana. Ele tinha acabado de sair de uma visita a uma das vítimas do ataque, que está internada no hospital.

"Estamos todos contando uns com os outros, porque isso é surreal e está fora do escopo de qualquer coisa que já tenhamos tido de enfrentar. Somos uma comunidade muito unida, de qualquer forma. E isso parece ter nos unido ainda mais".

A dor de Pomeroy e o sofrimento de sua mulher, Sherri, com quem ele está casado há três décadas, não o impediram de cumprir seus deveres pastorais —por mais sombrios que eles venham sendo.

Quando não está comparecendo a funerais ou visitando vítimas do ataque no hospital, ele vem dedicando horas a reuniões com sua seguradora, advogados e um comitê formado para tomar decisões sobre o futuro da igreja.

"Em resumo, a vida vem sendo tumultuada, e parece que os dias não acabam, porque vivo extremamente ocupado", disse Pomeroy. "Sinto que não estou dedicando tanto tempo quanto deveria ao pesar. Sinto-me muito fraco agora, bem abalado".

Ele acrescentou: "É difícil ser forte para os outros quando meu coração tem sua dor a carregar. Mas a cada dia consigo funcionar um pouco melhor".

Ele disse que reportagens informando que havia decidido demolir a igreja porque seria doloroso demais continuar a usá-la não procediam, e que ainda não havia uma decisão sobre o que fazer quanto ao pequeno templo.

"As reportagens magoaram muitas pessoas que precisam da igreja para viver seu pesar", disse Pomeroy. Por enquanto, ele disse, o santuário no qual o ataque ocorreu não será usado para cultos, e será usado como memorial às vítimas.

ARROGÂNCIA

Pomeroy conhecia Kelley, 26, que se suicidou com um tiro na cabeça. Nos últimos três anos ou pouco mais, Kelley ia à igreja uma ou duas vezes por ano e se sentava nos fundos, longe da câmera que gravava o culto para uma plateia on-line mais ampla.

"Tentei conversar com ele algumas vezes, mas ele não quis me ouvir e não respondeu", relembra o pastor. "Comportava-se de maneira arrogante, e falava com aspereza, de um modo feio. Parecia uma pessoa zangada, que jamais foi ensinada a tratar os outros como se deve".

Kelley deixou claro ao pastor que "desprezava" a igreja, disse Pomeroy, e que queria que o pastor soubesse que era ateu. "Ele fazia comentários sarcásticos enquanto eu conversava com sua mulher", disse o pastor, se referindo a Danielle Shields, a segunda mulher de Kelley. O pastor acrescentou que, depois que eles se casaram, Shields raramente ia à igreja. "Quando Danielle se casou com ele, ela praticamente sumiu", disse Pomeroy.

No momento do ataque, o casal estava separado, e policiais afirmaram que o motivo do homicídio talvez tenha sido uma briga entre Kelley e sua sogra. Ela e diversas outras pessoas daquele lado da família frequentavam a igreja regularmente. Nas palavras de Pomeroy, "sempre que a porta da igreja estava aberta, a sogra dele estava lá".

Mas na manhã do homicídio, a sogra de Kelley estava em casa com o neto. Quando percebeu que estava atrasada para o culto, disse o pastor, optou por não ir. Entre os mortos estava Lula Woicinski White, a avó da segunda mulher do atirador e uma das amigas mais próximas de Sherri Pomeroy.

"Minha opinião é que ele foi à igreja para encontrar sua sogra e planejava atirar em todo mundo daquele lado da família", disse Frank Pomeroy. "Acho que foi lá em busca deles, mas com a intenção de fazer algo de muito maior".

O pastor viu Kelley no festival de outono da igreja, em 31 de outubro, dias antes do ataque. "Ele parecia estar olhando feio para todo mundo que cruzava seu caminho", recorda Pomeroy.

Ele disse que embora a presença de Kelley fosse incômoda, jamais imaginou que ele teria "a coragem e a empáfia" de matar e ferir tantas pessoas inocentes. "Ele era uma pessoa má e odienta, mas eu nem imaginava a magnitude da escuridão que carregava", disse Pomeroy.

Policiais e amigos da sogra de Kelley disseram que ele estava enviando mensagens de texto ameaçadoras a ela. Pomeroy disse que não estava ciente disso, mas que sabia que outras pessoas no lado dela da família já haviam brigado com Kelley.

AULA DE TIRO

Na manhã do ataque, Pomeroy foi a uma aula de tiro, porque está tirando licença como instrutor para dar aulas em um acampamento de férias no próximo verão, sobre como usar rifles e pistolas de tiro único, modelos antiquados.

O pastor, que disse que costuma carregar sua arma com ele mesmo no púlpito, não acredita que alguém estivesse armado na igreja, naquela manhã. Do lado de fora da igreja, Kelley foi ferido por um transeunte que lhe deu dois tiros, logo depois do ataque.

"Eu de certa forma acho que, se estivesse lá, poderia ter feito mais", disse Pomeroy. "Mas quem pode saber?"

Depois de ser informado de que sua filha adotiva morreu na carnificina, ele teve dificuldades para informar a mulher. Sherri Pomeroy estava na Flórida, prestando serviços à Agência Federal de Administração de Emergências.

"Eu não queria que ela estivesse sozinha ao receber a notícia", disse Frank Pomeroy. "Mas tive de lhe contar por telefone".

Ele disse que a mulher estava "se aguentando, mas sofrendo muito", ao lidar com um ataque no qual perdeu suas duas amigas mais próximas.

O casal tem outro filho adotado, bem como uma criança que ajudaram a criar sem adotar formalmente. Eles também têm quatro filhos biológicos.

As manifestações de apoio ao casal, vindas do mundo inteiro, os reanimaram. "É encorajador que, embora um mau sujeito tenha tentado roubar a cena", disse Pomeroy, "milhares de boas pessoas tenham expressado seu apoio".




Tradução de PAULO MIGLIACCI.

sábado, 18 de novembro de 2017

Portugal: Militares evangélicos querem implementação da liberdade religiosa nas forças armadas

Filipe d'Avillez

Neste momento não há enquadramento para haver capelães evangélicos, quem cumpre o papel fá-lo em regime de voluntariado. Igreja Católica está disponível para ajudar.
Militares evangélicos reivindicam direito à assistência religiosa. Foto: Filipe d'Avillez/RR


A associação de Militares Evangélicos Portugueses (MEP) quer que a lei da liberdade religiosa seja integralmente respeitada nas Forças Armadas.

Actualmente não existe qualquer solução prevista na estrutura e na regulamentação das Forças Armadas para a prestação de assistência religiosa aos militares protestantes, como explica o coronel Fernando Freire, do Exército, que preside à MEP.

“O que está em causa é que as pessoas que queiram assistência possam ter assistência, até porque o ambiente militar e policial não é fácil e as pessoas têm de ter a sua estrutura espiritual devidamente alicerçada. Era importante ter alguém próximo que lhe pudesse facultar essas vias”, explica o militar à Renascença, à margem de uma conferência sobre liberdade religiosa nas forças armadas e forças de segurança, que decorreu esta quinta-feira, na Amadora.

Mas será que isso está a acontecer no terreno? Eduardo Correia, 2.º cabo no Exército, tem grandes dúvidas. “Sinto falta da divulgação da assistência religiosa nos quartéis militares. Sinto falta mesmo da busca por essa ajuda espiritual, tanto por parte da base da pirâmide, que são os soldados, como da parte dos que nos comandam, porque muitas das vezes o soldado nem sabe que isso existe.”

Um capelão por confissão?

O pastor protestante Luís Gonçalves é militar na Marinha. É capelão evangélico no Hospital das Forças Armadas. A falta de estrutura implica que o tenha de fazer de forma voluntária e sem remuneração, ao contrário dos capelães católicos, que estão enquadrados e são pagos consoante o seu posto militar.

“Aquilo que eu estou a fazer só é legal porque o estou a fazer voluntariamente”, explica. “Eu, como militar, era músico e agora estou como capelão, mas não existe esse cargo, por não ser formal, por não existir uma capelania evangélica, por isso eu faço um trabalho normal, como qualquer outro capelão, mas não remunerado”, diz, recordando que cada vez que entra no hospital apenas tem acesso por ser militar, e não por ser capelão, e que a solução encontrada depende da boa-vontade do comando.

A lei é clara e a assistência religiosa não é um privilégio que é dada às diferentes confissões religiosas, mas sim um direito fundamental dos militares e que deve ser garantida pelo Estado. Mas que tipo de estrutura é que serviria os evangélicos? O assunto foi tema de discussão, com um capelão católico a questionar a exequibilidade de haver um capelão por cada confissão protestante em Portugal.

O coronel Freire esclarece que “a nossa luta não é por capelania, a nossa luta é por dar assistência espiritual”, o modelo em que isso poderia ser feito terá de ser analisado. Mas o pastor Luís Gonçalves acrescenta que a variedade de confissões protestantes não é um obstáculo. “Se eu precisasse de assistência espiritual e religiosa não teria problema nenhum de receber de um capelão baptista ou presbiteriano”, diz, “o que importa realmente é que a pessoa, dentro do seu credo de fé, pode fazer esse pedido e que segundo a lei tem direito a receber assistência especificamente do seu credo de fé.”

O modelo da capelania hospitalar, em que as religiões minoritárias não têm capelães permanentes nas instituições, mas existe já um enquadramento legal que permite que prestem assistência aos doentes que a peçam, foi apontada pelo bispo da Igreja Lusitana, que pertence à comunhão anglicana, como possível solução.

Igreja Católica pronta para ajudar

A Igreja Católica, actualmente a única que tem capelães nas Forças Armadas, está disponível para ajudar como puder, diz D. Manuel Linda, bispo das Forças Armadas, que também participou na conferência.

“Defendemos a liberdade religiosa, não queremos a assistência religiosa só para nós. Compete à tutela ajuizar da pertinência do modelo. Porque certamente não poderá ser o mesmo modelo que existe para a assistência religiosa católica, que teoricamente terá 83% ou 84% dos militares, quando os evangélicos teoricamente terão 1.5%", diz.

Enquanto essa regulamentação não é feita, os capelães católicos estão disponíveis para ajudar como puderem. “Creio que ninguém poderá dizer que da parte da capelania católica houve oposição às suas pretensões de realizar culto ou de realizar formação. Pelo contrário, são os capelães que estão a promover a possibilidade de encontro e de exercício religioso.”

E recorda que no que diz respeito às capelanias hospitalares foi a Igreja Católica que tomou a iniciativa de publicar um manual que desperta para os cuidados a ter em relação às minorias religiosas, no que diz respeito aos ritos mortais ou até aos cuidados com a alimentação. “Da parte dos meus capelães católicos há uma sensibilidade muito forte para ajudar a promover o direito à liberdade religiosa”, diz.
Dom Manuel Linda, bispo católico das Forças Armadas, em visita ao Kosovo. Foto: DR


“Militares com fé tendem a ser mais estáveis”

Nesta conferência participaram também alguns pastores evangélicos de outros países, incluindo dois americanos ligados à Associação Internacional de Capelães Evangélicos.

Paul Wrigley tem décadas de experiência, incluindo em combate, e diz que a assistência religiosa é sempre importante. "Mesmo em tempos de paz há treinos, que podem ser perigosos. No meu tempo de piloto, morreram 16 conhecidos ou amigos em acidentes aéreos, e isso foi em tempos de paz. Mas em situações de combate aqueles que têm uma fé sólida tendem a ser mais estáveis e, por isso, melhores marinheiros e soldados”, diz.

Se em Portugal apenas existem capelães católicos, nos EUA há capelães de cerca de 200 confissões diferentes. A regra é a colaboração, explica. “Um dos nossos lemas é colaborar sem pôr em causa a nossa fé. Procuramos garantir que todos os militares tenham o apoio de que precisam, por isso se há necessidade de um capelão católico, e nessa unidade não houver nenhum, então o capelão protestante garantirá que essas necessidades são cobertas." Um exemplo dado durante a conferência foi de um navio de guerra em que um padre era convidado a bordo uma vez por mês, celebrando missa e deixando hóstias consagradas que durante o resto do mês eram distribuídas pelo capelão protestante, após uma celebração da palavra.

E não há o risco de o capelão se dedicar ao proselitismo? Não é essa a sua função, explica o capelão Wrigley. “Há preocupação com o proselitismo, mas os capelães não fazem isso. Se nos pedirem, partilharemos a nossa fé, sem medos. Se alguém me vier pedir conselhos, eu direi que não sou um conselheiro secular, sou um pastor, e usarei a Bíblia como guia para os meus conselhos. Não te vou enfiar pela goela e, se quiseres que te refira a outra pessoa, fá-lo-ei sem problemas. Mas tens de perceber quem eu sou”, explica.

Segundo o coronel Freire, em Portugal existem cerca de 600 militares ou polícias evangélicos. A conferência que decorreu na Amadora foi antecedida de uma formação intensiva para pastores.
Paul Wrigley, à direita, a participar na conferência promovida pelos Militares Evangélicos de Portugal. Foto: Filipe Avillez/RR
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