quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Romantismo e Cristianismo

O Romantismo cultivou obsessivamente a busca pelo Absoluto e seu correspondente desejo de unidade, numa verdadeira embriaguez, num afã de integridade e totalidade. Machado evidencia em Helena esse desejo de alcançar, pela arte, uma espécie de sentimento oceânico na dissolução do eu, só possível na natureza ou nas águas profundas da religião. Daí a natureza dessa coesão mágica, como uma unidade sublime que fazendo a personagem desempenhar essa função do Romantismo.
Isso posto, Helena é um romance de concepção mais descosida do que a nossa análise faz supor, e do que a nossa análise faz supor, e do que o enredo bem amarrado deixa ver à primeira leitura. Com maestria consumada e posição indefinida Machado circulava entre a intriga ultra-romântica, a análise social, a psicologia profunda, a edificação cristã e a repetição da mais triste fraseologia (p. ex. Helena levanta os olhos ao céu, para agradecer a intervenção favorável ao moleque Vicente, e em seguida se explica: “Orei a Deus (...) porque infundiu aí no corpo vil do escravo tão nobre espírito de dedicação”). (SCHWARZ, 1992, 104-105)
Nesse testemunho, a imanência de Deus – e o Romantismo é essencialmente cristão – Machado apresenta a obra divina isenta da mácula humana. O escravo era um problema social e não de Deus. Isto porque a natureza constituía-se em um espetáculo para o homem edificando-o por meio da criação que se mostrava edificante pelos bosques, florestas, vento, rios, murmúrios, sombras e luzes, experimentados pela personagem em seus passeios a cavalo e visitas com o pajem. Mas, esta mesma natureza era a fonte de uma luta contínua de forças opostas, uma vez que é a expressão de tudo que é exterior ao sujeito. Há um prévio circuito de comunicação entre o interior e o exterior, o homem e o mundo, a natureza das coisas e a natureza humana, fundamentando uma espécie de achatamento do sujeito, encaixando em uma natureza cuja ordem e regularidade prolongam-se na ordem e regularidade das retóricas (NUNES, 2002, p. 57).

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...